sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A CANTIGA DOS PÁSSAROS E DAS SERPENTES


Esse livro é um spinoff da série Jogos Vorazes, sobre a qual já falamos aqui no site. Essa resenha não contém spoilers da trilogia original, então pode ler sem medo, embora para melhor compreensão do universo de Panem, seja mais recomendado que você a leia (ou pelo menos assista aos filmes) antes.

Panem é organizada em 12 Distritos e uma Capital, sendo que a Capital venceu a guerra contra os Distritos. A Cantiga dos Pássaros e das serpentes se passa 60 anos antes dos Jogos de Katniss, na 10° edição dos Jogos Vorazes (evento em que duas crianças de cada distrito são levadas para a Capital para batalharem entre si como forma de entretenimento), logo após a guerra, e conta a história de Coriolanus Snow, o famoso Presidente Snow, grande vilão de Jogos Vorazes. 

Nos tempos atuais, muitas histórias clássicas que marcaram gerações estão sendo recontadas das perspectivas dos vilões, como no live action da Malévola ou na série do Lúcifer, por exemplo. Algo muito comum nesse tipo de narrativa é a humanização dos vilões: Malévola mostra de onde surgiu o desejo de vingança da personagem e como o Rei, pai de Bela adormecida, era um personagem ainda pior que ela, enquanto a proposta de Lúcifer é mostrar como seria se o diabo não fosse mal, mas apenas um anjo injustiçado. Na história do Presidente Snow, nada disso acontece.

Coriolanus já era uma pessoa terrível em sua adolescência. Da perspectiva dele, as pessoas de Distrito eram animais, e não havia problema em tratá-las mal. Mesmo quando ele conhece Lucy Gray (falaremos sobre ela mais para a frente), uma garota do Distrito 12 a quem ele se apega, Snow tenta afastar a figura dela ao máximo da de alguém de Distrito, para torná-la alguém “gostável” de seu ponto de vista. Além disso, ele é um jovem extremamente narcisista, que acha que merece um tratamento especial só porque carrega o sobrenome Snow, e se sente injustiçado caso não seja o centro das atenções.

As histórias que humanizam vilões são muito importantes pois nos auxiliam no exercício da empatia quanto aos nossos adversários, o que é algo realmente importante. No entanto, quando se trata do Presidente Snow, acho que a autora fez certo em construí-lo como sendo ruim dês de a adolescência, porque muitas vezes, nós acabamos confundindo ter empatia com passar pano. 

Coryo, como seus amigos o chamam, mora com a sua avó, uma mulher idosa extremamente patriota, e sua prima Tigris, que fez uma pequena aparição em “A Esperança”. A família Snow costumava ser rica e influente na Capital, porém sua fortuna vinha do Distrito 13, que foi destruído na guerra. A família se esforça ao máximo para manter as aparências para permanecer influentes, mas está ficando cada vez mais difícil.

Então, surge uma oportunidade de ouro para Coriolanus: na edição dos Jogos Vorazes daquele ano, alguns alunos de sua escola serão convidados para serem mentores dos tributos. O protagonista, como um dos alunos exemplares, consegue uma vaga para participar.

É interessante ver essa versão anterior dos Jogos; A forma como eles funcionavam em sua 10° edição é totalmente diferente da que conhecemos. Os jogos de Katniss contavam com desfiles, arenas superdesenvolvidas e hospedagens para os tributos na chegada. Na era de Coriolanos, os tributos eram levados para a Capital num trem de carga, colocados numa jaula do zoológico e depois jogados num estádio velho que fazia o papel da arena.

O “problema” era que ninguém na Capital queria assistir aquilo. Por isso, os jogos passaram por algumas reformas, como o surgimento de um apresentador, a chance de os espectadores apostarem e patrocinarem seus tributos favoritos e a própria questão dos mentores.

O protagonista é selecionado para mentorar o “pior” tributo, a garota do Distrito 12. Ele achava que, por ser do distrito mais afastado, ela seria fraca, mas acaba se surpreendendo. Logo na colheita, Lucy Gray já começa fazendo uma apresentação musical. Ela é uma personagem extremamente excêntrica e interessante, e o que acontece com ela no final é.... bem, você vai ter que ler pra saber.

Apesar de ter gostado da personagem, o previsível romance dela com Coriolanus foi abusivo, e o livro deixa isso bem claro. O que ele chamava de amor por ela era na verdade obsessão. Para o rapaz, era importante que Lucy vencesse os Jogos não só para salvar a própria vida, mas principalmente, para salvar a carreira dele.

Algo muito legal nesse livro é conhecer a origem de algumas das musicas que faziam parte da trilogia da Katniss, como por exemplo “A Arvore-Forca”. Como Lucy Gray fazia parte de um grupo de artistas, nós acabamos nos conectando com esse universo.

Também temos a perspectiva diferente de acompanhar os jogos do ponto de vista de um mentor, além, de é claro, saber o ponto de vista da capital quanto aquilo tudo. Uma personagem muito interessante (embora uma vilã pior que Coriolanus) é a dra. Gaul, a chefe dos idealizadores dos jogos.

Ela trabalha num laboratório fazendo experimentos científicos com bestantes (criaturas híbridas usadas como armas pela Capital), e é extremamente cruel com os animais que cria. Ela funciona como uma mentora para o protagonista na arte de ser um tirano, e é ela quem nos explica exatamente porque os Jogos Vorazes são do jeito que são, e sua filosofia maquiavélica de busca por controle.

Outro personagem muito legal dessa história, acho que o meu preferido, é Sejanus, o garoto do Distrito 2 que se mudou com a família para a Capital quando era pequeno. Ele era praticamente o único que tinha empatia com as crianças na arena, e procurava ao máximo se rebelar contra os Jogos. Esse personagem funcionava como um lembrete de o que é realmente o certo a se fazer, para nós não esquecermos como as motivações do protagonista eram erradas durante a leitura.

Algo que aconteceu comigo: como geralmente os protagonistas das histórias são heróis, eu criei o habito de torcer por eles, e inconscientemente, eu comecei a torcer para tudo dar certo com o Coryo. Dois segundos depois, eu me lembrava que se tudo desse errado com ele, Panem seria um lugar melhor, e não faz realmente sentido torcer pelo personagem. Acho que foi só pelo habito mesmo, mas não deixava de ser uma sensação esquisita.

Outra coisa sobre esse livro: ele é loooooooooooongo. Tem 570 páginas, mas parece ser o dobro. Definitivamente não é uma daquelas leituras que viciam, que você não consegue largar e que em poucos dias está terminado. É um livro lento de ler, que leva tempo e força de vontade. Como o livro é dividido em 3 partes, chegou um momento que eu comecei a tratar cada uma como um livro separado para aliviar isso.

A trama é cheia de reviravoltas, e, mesmo que você já saiba que tudo vai terminar com Coriolanus virando presidente, você não faz ideia de como. É quase que inacreditável.

Recomendo esse livro para todos os fãs de Jogos Vorazes, por conta de todas as perspectivas novas do universo. A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes também é recheado de críticas políticas e sociais interessantes, que valem muito a pena serem lidas, e as filosofias dos vilões que valem muito a pena serem entendidas (embora não seguidas). Só fica o aviso de que o livro realmente é mais lento do que parece, e o personagem não é o tipo de protagonista com quem o leitor se identifica.



Laura




Um comentário: